Diz que é uma espécie de roteiro da arte urbana em Lisboa
As paredes andam cheias de rabiscos que nada devem à criatividade. Mas nos últimos anos Lisboa tornou-se uma das capitais mundiais da arte urbana. Com a consciência que muito fica de fora, escolhemos 11 obras que merecem a sua atenção
Vhils, Bordalo II, Aka Corleone e Finok são alguns dos nomes mais sonantes neste roteiro de arte urbana em Lisboa. Embarque connosco num passeio alternativo pela cidade.
Diz que é uma espécie de roteiro da arte urbana em Lisboa
Crossroads de Sainer
O artista responsável por este mural é polaco, chama-se Sainer e é conhecido mundialmente pelas suas criações em grande escala e pelo carácter onírico e surrealista que lhes imprime, seja nos enormes murais, pinturas ou ilustrações. Faz parte da Etam Cru, juntamente com o seu conterrâneo Bezt, mas este trabalho no 20 da Avenida Afonso Costa (Olaias) foi realizado a solo em Abril de 2015. Quando chegou a Lisboa, o artista ainda só tinha um esboço da figura da mulher. O cão e o pato foram acrescentados enquanto pintava (com tinta acrílica e spray), em prol do equilíbrio e harmonia visual da composição, isto num prédio com 11 andares, o que faz deste o maior mural da cidade em altura. O convite para a sua realização partiu da Galeria Underdogs no âmbito do seu Programa de Arte Pública 2015.
Big Trash Animals de Bordalo II
O português Bordalo II é conhecido por criar grandes figuras animalescas a partir de lixo. E, nos últimos anos, tem-nas espalhado por todo o mundo, numa série de trabalhos baptizada de Big Trash Animals. Há uma mensagem clara por detrás: chamar a atenção para a produção de lixo, o desperdício, a poluição e o quanto isso faz o nosso planeta sofrer. Pára-choques acidentados, contentores do lixo queimados, pneus e electrodomésticos, condutas plásticas de obras, cortinas de duche, tubagens de gás, pára-choques, redes metálicas e plásticos variados. Estes materiais, juntamente com alguma cor, dão vida às suas criações. Por cá temos este Guaxinão numa parede do Centro Cultural de Belém, construída em Maio 2015 no âmbito da exposição individual de Bordalo II “Pânico,Drama,Terror”; o Trash Puppy, construído um mês depois ao pé da rotunda de Cabo Ruivo, entre a Av.Infante D. Henrique e o Passeio do Báltico; um porco na Rua do Rio Douro criado este ano no âmbito do Festival Muro; uma abelha gigante dentro da Lx Factory e uma libelinha no bar do Infame. “Nós destruímos os animais e a natureza. Eu dou-lhes vida com o que fizemos para os destruir”. Palavra de mestre.
Breaking Bad de Odeith
Sérgio Odeith, o artista urbano famoso internacionalmente por pintar murais que saltam das paredes, pôs a descansar a sua tendência para obras anarmóficas a três dimensões no seu mural de eleição na Damaia. Ali pintou a sua série preferida. Porquê? “Foi para mim a melhor história, em que todos os actores representaram um papel brilhante. Estes dois são os que mais marcam a série”, explicou à Time Out Lisboa. E não é por acaso que Walter White e Jesse Pinkman moram neste muro da Rua Dr. Francisco Sousa Tavares. “Pinto aqui há cerca de 20 anos, quase como se o muro fosse meu. Fica perto de casa e toda a gente respeita. O que quer dizer que as peças ficam intactas até envelhecerem”. Antes de ficarem com rugas arriscamos dizer que vão participar em muitas sessões fotográficas, entre fãs de Odeith, de Breaking Bad e de ambos. Totalmente pintado a spray “sem qualquer outra técnica, nem recorrendo ao uso de projectores, o que torna a pintura mais natural”, a obra de 16 metros de comprimento e quatro de altura demorou apenas quatro dias a ficar concluída. Odeith já perdeu a noção do número de murais que criou por todo o mundo. É que, além de em Portugal, já pintou nas ruas do Dubai, Espanha, Inglaterra, Alemanha, Israel, USA, Brasil, Panamá, Malta, entre outros. Também já foi tatuador, mas em 2008 fechou o estúdio e rumou a Londres, onde chegou a trabalhar num barbeiro jamaicano. Agora não pensa sair “do nosso bonito Portugal”.
Calçada de Vhils
Podíamos escolher uma parede rebentada artisticamente. Mas ainda há muito boa gente que não sabe quem é o autor desta obra chamada Calçada que mora no largo entre a paragem do eléctrico 12 na Rua de São Tomé e a Rua dos Cegos (a caminho das Portas do Sol). O autor é mesmo Vhils e este foi o seu primeiro projecto feito em calçada, a partir de um convite do cineasta luso-francês Ruben Alves. Após o sucesso de A Gaiola Dourada, Ruben foi desafiado pela Universal France a criar um álbum referência de fado com a nova geração de fadistas a cantar Amália. Foi assim que se atirou de cabeça para um projecto que celebra a portugalidade e que junta Alexandre Farto (o artista que conhecemos por Vhils), os calceteiros de Lisboa, Celeste Rodrigues (irmã de Amália), quase todos os novos fadistas da nossa praça (de Ana Moura e Gisela João a António Zambujo e Ricardo Ribeiro) e até Bonga e Caetano Veloso. Parece complicado, mas não é. Criar o álbum não foi suficiente para o ambicioso realizador, que convidou Vhils para desenvolver uma obra única e marcante com o rosto de Amália, imagem que será a capa do disco e foi assentada pela nata dos calceteiros da cidade. Para ficar a conhecer as suas principais paredes e peças criadas fora de portas desde 2007, explore este mapa interactivo.
Iemanjá de Finok
O artista brasileiro aproveitou a sua passagem por Lisboa em 2015, onde passou parte da infância, para trazer um pouco do Brasil às ruas da cidade, mais precisamente a um prédio na Rua Manica, junto ao aeroporto. De ascendência espanhola e japonesa, espelha nas suas obras a multiculturalidade do Brasil. Finok, actualmente um dos mais produtivos artistas paulistas, ajudou-nos a interpretar este mural. Os motivos escolhidos para a roupa são brasileiros, mas também portugueses, como as flores na parte superior. Na verdade, a figura representa uma baiana, mas Iemanjá é a deusa do mar, esse monstro que liga Brasil a Portugal. O boneco integrado nos brincos da imagem é a assinatura de Finok: pode encontrá-lo em todas as suas obras. Já os desenhos do rosto representam a diversidade étnica do Brasil, entre índios, africanos, europeus e orientais. Choveu no dia em que o pintou, então Finok decidiu que queria incluir as malditas gotas no seu trabalho.
Desassossego de Aka Corleone
Num prédio da Rua Damasceno Monteiro, junto ao Miradouro Senhora do Monte, apareceu no início do ano este mural. Mas só apareceu de repente para os mais distraídos, porque Akacorleone (Pedro Campiche para os amigos) demorou "cinco ventosos dias" a realizar a obra visível mesmo para quem está no Martim Moniz. O convite partiu dos próprios inquilinos– aka vizinhos do artista– que tinham acabado de repintar a fachada, alvo de tags e graffittis não solicitados. “Eles queriam de alguma forma prevenir isso, por isso contactaram-me para intervir na fachada. Foi uma coincidência interessante, porque vivo perto e é uma fachada que gostava de pintar já há algum tempo", explicou. A obra contou com o apoio da Galeria Underdogs, que disponibilizou o material e acompanhou o processo em vídeo. Chama-se Desassossego, já que "representa de uma forma bastante livre a personagem que mais representa a cidade de Lisboa, Fernando Pessoa, num sonho psicadélico".
Mural de azulejos de André Saraiva
Foi o último grande acontecimento da arte urbana em Lisboa: André Saraiva apresentou a 21 de Outubro no Jardim Botto Machado (junto à Feira da Ladra) um megalómano mural com 188 metros de comprimento 1011m2 de área e precisamente 52 738 mil azulejos. André, luso-francês, ficou conhecido nos anos 90 com o seu alter ego Mr. A, uma personagem que também funciona como a sua assinatura e que se espalhou por algumas cidades europeias. Este mural reinterpreta a cidade com alusão a alguns dos principais monumentos, misturados com outros elementos, como uma Torre Eiffel.
Universal Personhood de Shepard Fairy
Universal Personhood é o nome de uma série de trabalhos de Shepard Fairey, o artista americano também conhecido como Obey Giant, o homem que criou o famoso poster "Hope" de Obama. Pois bem, Shepard veio a Lisboa por ocasião da exposição "Printed Matters Lisbon" na Galeria Underdogs e deixou um legado (mais ou menos efémero como toda a arte urbana) junto ao 69 da Rua da Senhora da Glória (Graça). A peça é única. O significado desta série é o apelo aos direitos iguais para mulheres de todas as etnias e religiões e Obey quis partilhar a construção desta obra de 5mx14m com Vhils que ficou encarregue de completar a segunda metade do mural no seu estilo artístico.
In memoriam
Não foi a primeira, nem será a última vez que desaparece uma obra de arte urbana. Aconteceu no verão do ano passado com o mural dedicado a Saramago e Pilar del Rio na Rua do Instituto Vergílio Machado, para dar lugar ao futuro parque de estacionamento da EMEL no Campo das Cebolas. A ideia para o mural foi de Miguel Gonçalves Mendes, realizador do documentário José&Pilar, concretizada com a ajuda dos artistas Nark e Pariz. Na altura falámos com o realizador que nos deixou este testemunho: “Tudo é efémero. E como tal devemos encarar estas coisas com naturalidade. É como deixar alguém de quem gostamos muito partir seja numa relação de amor ou amizade ou em última instância a morte. Simplesmente não há nada que possamos fazer a não ser seguir em frente. Mas claro que fica um enorme carinho por um trabalho que acabou por fazer parte integrante da paisagem da cidade de Lisboa. Em que habitantes e turistas tiravam fotos como se de um marco obrigatório se tratasse. No dia após a demolição fui tirar fotografias apenas para recordação. Pedi ao taxista que me deixasse no Campo das Cebolas e, de repente, sem lhe ter dito absolutamente nada, ele pergunta-me: “Já viu o crime que fizeram aqui? Destruíram o mural do Saramago”. Eu encolhi os ombros e sorri. Não sofro, porque algo que era suposto desaparecer desapareceu. Mas acho sobretudo bonito que algumas pessoas considerassem já aquele mural como património da cidade. Uma das minhas frases preferidas de Saramago e que estava inscrita ao longo de todo o edifício era: “O heróico no ser humano é não pertencer a um rebanho” e espero sinceramente que esta frase tenha servido de alerta e inspiração para quem passava casualmente por ali, tal como serviu para mim enquanto leitor.”
App Lisbon Street Art
Acabadinha de sair do forno e lançada para apanhar a onda do Web Summit, a empresa Twistag (fundada por Fred Sarmento, um programador que nos últimos cinco anos trabalhou entre Lisboa, Londres e São Francisco) lançou a aplicação Lisbon Street Art sem qualquer tipo de objectivo lucrativo. Este projecto pro-bono nasceu também da vontade de construir algo pela comunidade e começou por ser feito em parceria com a Galeria de Arte Urbana que numa primeira versão cedeu 85 imagens e dados para a aplicação. Hoje já são mais de 160 locais em todo o distrito de Lisboa, com especial destaque para o concelho de Lisboa, graças à colaboração e interesse de outros sites e blogues. Para já está apenas disponível para Android, mas se aumentarem os downloas existe a hipótese de ser desenvolvida uma aplicação para iOS. Apanhe-a aqui.
Fonte: https://www.timeout.pt/lisboa/pt/coisas-para-fazer/roteiro-da-arte-urbana-em-lisboa